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Floco de Neve - Bruna Vecchi: Capítulo 2 - Nat.


Sinos natalinos explodiam na cabeça de Jack enquanto o vácuo o envolvia. E rodava. Rodava muito. Ia acabar colocando tudo que tinha comido para fora... Maldito Papai noel! Não podia mandar um portal, ou sei lá, uma rena? Mas não, tinha que sugar Jack para dentro de um vortéx, ou sei lá o que! Sentiu o vômito queimar a garganta e... Bateu com os pés no chão, dobrando os joelhos na hora. Não ousou abrir os olhos, porque tudo ainda girava muito. A respiração estava ofegante e tinha certeza que seus cabelos estavam muito bagunçados. O som a sua volta lhe perturbou bastante, parecia que levava um soco a cada segundo que estava ajoelhado naquela bendita sala...
- JACK! - A voz de alguém gritou.
Pegaram Jack pelo braço e o levantaram. Ele piscou, porém não focalizou ninguém além de um bando de vultos difusos e multicoloridos. A voz continuou a chamar seu nome, ele estendeu sua mão, pedindo tempo e levou a outra até a testa... Passados alguns segundos, Jack abriu os olhos e nada mais rodava. O dono da voz era o Papai noel em si. Aquele barrigão, a barba branca e os olhos preocupados fitavam o deus do frio.
- Você está bem? - Perguntou Papai Noel.
Jack apenas assentiu, com uma expressão de desgosto no rosto, não pela companhia do pessoal que estava ali mas sim porque seu estômago ainda revirava, virava, girava e rodopiava em todos os ângulos. Mãos gentis o levaram até um sofá onde ele sentou-se, encostou a cabeça, fechou os olhos e respirou fundo. As vozes que estavam ao redor dele voltaram a falar e uma leve música começou a tocar no fundo. Parecia uma festa social.
- Jack Frost - Uma voz doce chamou.
Jack respirou fundo mais uma vez e abriu os olhos muito azuis. Com asinhas, cabelos muito loiros e encaracolados, olhos brancos e um sorriso faiscante, a Fada do dente pairava a frente de Jack, com seu hálito de menta perfeito. Jack deu um sorriso desajeitado e ela corou na hora - sempre tivera uma quedinha pelo deus do frio, mesmo não admitindo. Ela pousou levemente no chão, com graça e a leveza de uma pluma e sentou-se ao lado de Jack, virou-se para ele e disse, por fim.
- Como vai? Andou sumido. Eu poderia achar facilmente que você estava desacreditado, se não fosse essa neve.
Ela deu uma risadinha estridente e nervosa, porém Jack sentiu o estômago revirar mais uma vez. Então todos realmente acreditavam que ele tinha feito aquela maldade toda com aquela cidadezinha... Que ele não lembrava o nome. Ele não respondeu a Fada, apenas recostou a cabeça mais uma vez no sofá e fechou os olhos... Mas ela não desistiu e continuou puxando assunto.
- Quer dizer, foi muita neve, não foi? Uma quantidade realmente alarmante... Teve um garotinho que estava com dente de leite, ele não conseguiu deixar o dente cair porque estava preocupado com seu cachorrinho... Quer dizer, eu não entendi o por quê de não ter acontecido, mas não caiu... - Fada suspirou e balançou suas asinhas, soltando uns brilhinhos com cheiro de eucalipto - Foi bem complicado.
- O que foi complicado?
Jack abriu os olhos e três duendes se aproximaram, dentre eles estava Espirro. Espirro olhava par ao deus do frio de forma apreensiva, como se estivesse preocupado com o estado mental de Jack, os outros duendes tinham expressão diferente: Um parecia zangado, o outro levemente curioso e o último, cansado.
- Ora, ora... Se não é a celebridade do momento... Jack Frost. - Murmurou o duende com cara de zangado.
Jack semicerrou os olhos para ele, porém não respondeu, apenas se inclinou para frente e estendeu a mão. Um pequeno furacãozinho se formou na palma e algo foi tomando forma... Um par de saltos de gelo. Jack os empurrou com o pé para o duende e sussurrou.
- Desculpe, não dá pra ouvir nada daqui de cima.
Recostou-se novamente no sofá e fechou os olhos, ouviu um chiado de trituração e alguém praguejando baixinho. Provavelmente o duende havia quebrado o salto. Fada deu uma risadinha e bateu novamente as asinhas transparentes com um leve tom cor-de-rosa. Jack não conseguiu deixar de dar um sorrisinho irônico.
- E ai, aprendeu a fazer picolés não é? Sabor carne humana. - O duende zangado revidou.
- Topia! - Rosnou Fada.
- O que é? Ele que começou. - O tal do Topia disse.
- Não é verdade! Pare de implicar com ele! - Fada exigiu, apontando um dedo para o duende.
- Fada... Está tudo bem, relaxa... - Jack disse, abrindo novamente os olhos muito azuis e tocando o ombro de Fada.
Essa, por sua vez, deu um sorriso abobado e mexeu as asinhas em uma velocidade extraordinária, o que fez Jack engasgar.
- Eucalipto. Odeio eucalipto. - Murmurou.
As asinhas da Fada do dente pararam de se mexer e o sorriso que ela abriu por conta do contato físico murchou.
- Com licença! - Disse, com a voz esganiçada. E levantou-se, batendo com os cabelos ruivos na cara de Jack.
- O que eu fiz dessa vez? - Murmurou o deus do frio, que viu Fada pousar no meio de outros espíritos menores e lançar olhares ácidos em sua direção, comentando algo de forma furiosa e sobressaltando a todos. Ele ouviu claramente as palavras "crianção" e "eucalipto".
Topia riu pelo nariz e começou a mexer nos blocos de gelo que, segundos antes, eram o salto, mas não foi ele que falou. O duende com cara de curiosidade tomou a vez de falar, sua voz meio cautelosa e ao mesmo tempo, ácida.
- Você é Jack Frost, então. - Não havia sido uma pergunta. Jack olhou para o duende sem se importar muito, mas fez questão de fazer cara de poucos amigos. O duende prosseguiu - Orlã, meu nome. Sou o duende responsável pelos lagos desse lado da floresta e devo dizer, meu senhor, que o seu gelo congelou tanto o lago ao ponto de congelar os peixes! Eles morreram congelados! Como você conseguiu... Como... Como pôde?
O rosto de Jack começou a ficar vermelho e ele respondeu fundo, já estava parecendo uma maria-fumaça e, para o bem de Orlã, ele não respondeu. Fitou um ponto além da parede, a cara fechada, desejando por tudo desse mundo que Papai noel tomasse logo o lugar de fazer seu discurso, apenas para ele ir embora, ir para casa, era o que queria... Mas o duende parecia não satisfeito e continuou a perturbar o juízo de Jack, fazendo perguntas que faziam sua consciência ir para os pés, mas ele não demonstrou, não precisava demonstrar, ninguém precisava saber que, por dentro, o deus do frio estava destruído, com as imagens das possíveis crianças mortas passando por sua mente, dos animais soterrados... Não, não devia pensar naquilo! Não havia sido ele que tinha feito, o responsável tinha que ser punido! Seus olhos caíram em Espirro, que estava comendo um rolinho de primavera e conversando com um espírito da água, Espirro parecia sentir os olhares de Jack e lhe deu um sorrisinho meio triste, meio culpado. Por que estava tão triste assim? O culpado estava na frente dele - será? Mas Espirro seria incapaz daquilo. Jack suspirou, estava paranoico ao ponto de desconfiar de seus próprios amigos. O duende continuava falando pelos cotovelos, revoltado, brandido um dedinho irritado para a cara de Jack. Esse, apenas bufava e revirava os olhos, tamborilando os dedinhos brancos no braço do sofá. Qual era o problema desse povo? Acharem que ele, por ser o deus do frio, tinha feito aquela catástrofe toda! Ah, mas fazia sentido... Ele também desconfiaria. O duende finalmente parecia ter desistido de falar, suas últimas palavras foram "Garoto inconveniente" e ele saiu, aos trotes, para a mesa de quitutes. Muita coisa passava pela sua cabeça. Como logo ele, Jack Frost, congelaria tudo, se ele mesmo também tinha preguiça de fazer as coisas? Seu olhar tristonho recaiu sobre suas mãos. Ele as abriu e uma pequena nevasca rodopiou ali.
- Eu não fiz nada - Sussurrou.
Pela primeira vez em toda sua vida, quis estar sozinho, isolado, longe de tudo, longe de todos. Tamborilou os dedos no braço do sofá, olhando em volta. Todos pareciam tão absortos em suas conversas, o clima estava tão leve que Jack até pensou que aquilo tudo fosse uma grande piada, que eles acabariam comendo e logo logo todos teleportariam de volta para suas regiões. Papai Noel, que estava em um canto com sua esposa e alguns espíritos que Jack não recordava os nomes, olhou por cima do ombro para a janela e levantou as sobrancelhas, falou algo e foi até a porta mas antes de sair ele procurou o olhar de Jack, seus olhos se encontraram e ele deu um sorriso tenso, abriu a porta e sumiu na nevasca que estava lá fora.
- Ei Jack, manere nos sentimentos. - Disse uma voz animada.
Jack olhou em volta e logo viu uma garotinha radiante de felicidade. Devia ser a personificação do espírito do verão já que ela irradiava calor. Verão era muito ocupado e precisava cuidar de tudo com as estações, então tinha personificações aqui e ali em todo o mundo para fazer seu trabalho na prática enquanto cuidava da teoria... Mesmo que isso parecesse meio bobo. Um sorriso torto surgiu no rosto branco do deus do frio e ele olhou para o lado de fora e logo a neve ficou mais leve. A garotinha sentou-se ao seu lado, gemendo de cansaço, olhou de esguelha para o rapaz branco e começou a cantarolar. Parecia querer dizer algo, mas não tinha coragem. Jack a olhou por um segundo apenas, analisando sua aparência. Tinha os cabelos em tom cobre, mas os mesmos pareciam refletir dourado de tempos em tempos. A pele era branca e seus olhos pareciam ouro líquido, seu vestido era branco e tinha as bordas amarelas, com flores amarelas espalhadas por todo o seu tecido. Usava sapatilhas, essas em cores esquisitas que Jack não soube identificar muito bem, pois pareciam mudar de horas em horas. Sua pele era lisa, não havia uma imperfeição sequer, sua boquinha era bem desenhada e ela tinha uma pulseira verde na mãozinha esquerda. Não parecia ter mais de 9 anos e com certeza estava inquieta. Seus olhinhos dourados pareciam ser tão calorosos e ela, perto de Jack Frost, dava uma sensação esquisita. Ele próprio parecia derreter. Se ela não fosse a personificação do verão, o que era? Ele olhou pela janela e vi um vulto grande e branco passando com um pulo, esfregou os olhos e olhou novamente... Nada. Só neve.
- Ela chegou - Sussurrou a garotinha, com uma expressão que beirava o medo. Seus olhos encontraram os de Jack e ela virou-se completamente para o lado, pegando um copo de refrigerante da bandeja que um dos duendes trazia.
Jack já estava incomodado, e não se conteve.
- Olá. - Murmurou, dando um sorriso afetado para a garotinha.
A mesma parou no meio do ato de levar o copo aos lábios rosados, os olhos dourados se arregalaram e ela virou lentamente a cabeça, como se não pudesse acreditar que Jack falasse com ela. Baixando o copo, a garotinha fitou o deus do frio e assentiu com a cabeça em um gesto de cumprimento. Ele não entendeu porque ela estava daquele jeito já que havia ido falar com ele sobre a nevasca que caía lá fora por conta do seu nervosismo e também parecia estar tão animada... Agora parecia um animal encurralado, com medo. Normal, todos estavam com medo do assassino Jack Frost da Nevasca! Isso irritou Jack, que soltou o ar com força, criando uma pequena nuvem de geada a sua frente e encostou as mãos no rosto por um segundo. Ele ouviu a garotinha tomar mais um gole de refrigerante e começar a cantarolar alguma coisa, ele baixou as mãos e viu que ela olhava diretamente para a porta como se esperasse que alguma coisa realmente magnífica irrompe-se por ali. Jack olhou para a mesma também, a simples porta branca com enfeites natalinos parecia inofensiva e completamente sem graça. Deixou isso para lá e voltou a fitar a garotinha, soltando de forma azeda.
- Se continuar nervosa assim, vai fazer xixi nas calças.
A garotinha virou o refrigerante de uma vez, depois virou todo o corpo para Jack e, jogando o copo por cima do ombro, ergueu os indicadores e o olhou de forma serena.
- Eu sou a personificação do Sol. Me chamo... Solari. - E ela sorriu, e o sorriso sumiu com a mesma rapidez que apareceu - Não acho que você provocou nevasca nenhuma, e não sou só eu, Jack. 95% das pessoas aqui presente acham isso. - O tom de inocência, de animação sumiu e a menininha que antes Jack achou que fosse a personificação do verão falava de um jeito tão surreal, tão concreto, não parecia ser uma criança mesmo que tivesse corpo, aparência e voz de uma - Mas você não tem que convencer a nós. Tem que convencer a Nat. E ela já chegou, está lá fora. Você pode sentir, Jack. Eu sei. Sinta a presença dela.
A menininha fechou os olhos com força e suas sapatilhas multicoloridas brilharam com uma certa intensidade, que fez Jack piscar repetidas vezes. Seu peito estava leve - então quase todos ali acreditavam em sua inocência! - mas algo no fundo da sua cabeça diria que aquela sensação não iria durar muito. Ele fechou os olhos e realmente sentiu, sentiu uma onda forte e sufocante invadir o local, como se alguém de máxima importância estivesse ali, e estava perto. Então essa Nat que ele ouvira falar tanto nos últimos dias era tão importante assim? Jack engoliu em seco, porque a presença de Nat parecia extremamente zangada. Ele abriu os olhos e fitou a porta, a garotinha ao seu lado tinha sumido e ele conseguiu a ver, ainda olhando para ele, no meio dos outros espíritos e personificações que estavam por ali. Ela tinha o olhar preocupado, a mão direita sob o peito, estava angustiada. Ele passou as mãos no rosto e Papai Noel abriu a porta, seu rosto estava mais branco que o comum, um rugido de lobo cortou o ambiente. A música da festa parou e um duende tinha o CD nas mãos, olhando apavorado de Jack para Papai Noel, de Papai Noel para Jack. A nevasca, consequentemente, aumentou de proporção e o deus do frio sentiu seu coração bater contra as costelas com muita rapidez. Ele ouviu um patear sob sua neve e Papai Noel avisou, de voz trêmula.
- Jack, sua patroa chegou.

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